Não quero mais a adolescência

Júlia Grilo
2 min readMar 31, 2020

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Eu quero me livrar do limo adolescente que amarga as minhas papilas. Esse lambuzo juvenil escorre pelo meio das coxas e me empurra para fora do mundo; as coisas iniciam-se já presas pelo fim, o percurso todo premeditado, a novidade sem ter onde caber. Já sei de tudo e nada me surpreende, nada me intervém, nada sobressai-se para além da gordura firme das minhas previsões. O Sol nascerá, da mesma forma se porá também — e o futuro é impossível. Na infância, entretanto, do que eu posso recordar, a vida abria-se em vários caminhos feito foice rompendo o mato e o mundo se mostrava sozinho, independente de minhas induções: nunca sabia o que viria a ser, os dias se revelavam aos poucos. Mas a adolescência veio e com ela a tentativa de explicar as coisas para fazê-las caberem em minha explicação, o limo atravancando os pés, diminuindo o mundo e jogando-o debaixo dos meus olhos tristes. Assim eu cri que podia vê-lo todo e sabê-lo por inteiro. Nada mais se movia, e eu contente pela ciência das coisas deixei-as paralisarem uma a uma (na boca não há gosto, a pele não doura). Tenho hoje vinte anos e percebo que para encerrar esta última década é preciso abandonar todo o hábito adolescente da ciência explicativa.

Ilustração de Amanda Valdez e Caris Reid

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